terça-feira, 16 de junho de 2009

Eleições no Irã; A verdade que muitos não querem enxergar

O texto é longo mas muito elucidativo.Prestem bem atenção no encontro do Hezbolah com representantes iranianos.

Hitchens: O que houve foi uma farsa cruel que insultou a todos os envolvidos
Christopher Hitchens
Do The New York Times


O que houve foi uma farsa cruel que insultou a todos os envolvidos

Para se ter uma idéia do clima político em Teerã, no Irã, cito um camarada iraniano que me coloca em dia com a situação: "Eu fui à última grande passeata do presidente Mahmoud Ahmadinejad e tive uma amostra de como eu imagino ser o fascismo. Um bando de garotos que nunca foram populares no colégio e agora recebem uma arma e ouvem que são especiais".

A citação, bastante precisa, é tanto uma evocação da sexualidade reprimida que está enterrada na "república islâmica" ou uma descrição das forças de reserva que esse estado paralelo iraniano, o estado dentro do estado, pode colocar em exercício perante a menor das adversidades.

Há uma razão teórica pela qual os eventos do mês passado no Irã (desculpe, mas não consigo chamar aquilo de eleição) não passaram de uma farsa cruel para insultar aqueles que participaram e observaram o evento. E há também uma razão prática. A razão teórica, embora não tão dramática e empolgante, é a mais interessante e relevante.

O Irã e seus cidadãos são considerados pela teocracia xiita como sendo propriedade dos mulás. Essa idéia totalitária era baseada originalmente num preceito religioso promulgado pelo falecido Aiatolá Ruhollah Khomeini e conhecido como velayat-e faqui. Nos termos desse preceito - que originalmente colocava o clero no comando das vidas e propriedades dos órfãos, dos indigentes e dos loucos - toda a população estaria declaradamente sob custódia do estado e seus líderes de vestes negras.

Portanto, qualquer exercício eleitoral, por definição, termina antes mesmo de começar porque o poderoso Conselho da Guarda Islâmica decide bem antes quem pode ou não pode "concorrer". Qualquer jornal que se refira ao fato como "eleição" - e complementando com expressões como "passeata", "pesquisas" ou "contagem" - é motivo de barrigadas de riso dos aiatolás. ("Caíram nessa? Foi tão fácil!")

Todos os veículos da imprensa que foram cúmplices com essa mentira na semana passada deviam se envergonhar. E também a nossa patética secretária de estado que disse esperar que "a vontade e os desejos genuínos" de todo o povo do Irã fossem refletidos no resultado. É claro que ela sabe que todo esse contingente foi deliberadamente censurado.

Em teoria, a primeira escolha dos aiatolás pode não "ganhar", e o Conselho da Guarda Islâmica pode até ficar dividido sobre quem seria o melhor candidato. Por mais secundário que possa parecer, ainda pode levar ao rancor. Afinal de contas, mesmo os sistemas corruptos podem ser vítimas de fraude. Como a hipocrisia, essa é a vingança da virtude.

Com incrível brutalidade e crueldade, então, os guardiões mandaram cortar as redes de telefonia celular e envio de mensagens que pudessem dar uma leve impressão sequer de democracia e anunciaram através das suas "guardas revolucionárias" que apenas uma forma de votar tinha a sanção divina. ("A mão milagrosa de Deus", anunciou o Líder Supremo Ali Khamenei, esteve presente nos locais de votação e anunciou o resultado antes mesmo que as pessoas tivessem terminado de votar. Ele fala esse tipo de coisa o tempo todo).

Além das provas óbvias de adulteração, fraude e força bruta, há outra razão para duvidar que um fundamentalista analfabeto como Mahmoud Ahmadinejad tivesse prevalecido mesmo num plebiscito patrocinado pelo estado. Em todos os lugares do mundo muçulmano que tiveram eleições nos últimos dois anos a tendência foi sempre contrária. No Marrocos em 2007, o impositivo Partido da Justiça e Desenvolvimento acabou com 14% dos votos. Na Malásia e na Indonésia, as previsões de aumento da popularidade dos partidos pró-Shariah também eram falsas.

No Iraque, em janeiro último, as eleições locais penalizaram os partidos do clero que fomentavam a miséria em cidades como Basra. No vizinho Kuwait, no mês passado, as forças islamitas tiveram um péssimo desempenho e quatro mulheres - incluindo a figura impressionante de Rola Dashti, que se recusa a usar lenços na cabeça - foram eleitas ao parlamento.

Mais importante ainda, o Hezbollah, patrocinado pelo Irã, foi derrotado inesperadamente e de forma convincente na semana passada no Líbano depois de uma eleição aberta e vigorosa, cujos resultados não foram contestados por partido algum. E, até onde eu sei, se os Palestinos votarem de novo este ano - o que deverá acontecer em algum momento - seria muito improvável que o Hamas saia vitorioso.

Ainda assim, o círculo fechado de fanáticos religiosos senis que não conseguiu controlar os votos num país como Líbano, que tem partidos opostos de braços dados, é capaz de se presentear aumentando sua "maioria", num estado falido e agonizante, que controla a mídia e monopoliza a violência. Eu acho que devemos negar qualquer reconhecimento oficial a este consolo.

Recomendo a leitura de Neither Free Nor Fair: Elections in the Islamic Republic of Iran (Nem Livre nem Justa: as Eleições na República Islâmica do Irã) e outras produções da Abdorrahman Boroumand Foundation. Eles mostram que contrariar o Conselho da Guarda Islâmica pode levar a mais do que a desclassificação para as eleições e pode se estender a prisões, tortura e morte, às vezes nessa ordem. O novo filme de Cyrus Nowrasteh, "The Stoning of Soraya M.", irá logo mostrar o que acontece com aqueles que ousam discordar e acabam nas mãos dos fanáticos "tradicionais" de Ahmadinejad.

A menção das eleições libanesas me obriga a contar as minhas impressões da convenção recente do Hesbollah que presenciei no sul de Beirute, no Líbano. Numa grande sala que recebia uma delegação da Embaixada Iraniana, o pôster mais impactante do partido pró-iraniano era de um cogumelo nuclear! Abaixo da foto, uma legenda informava aos "sionistas" o que os aguarda.

Nós às vezes esquecemos que o Irã ainda nega oficialmente qualquer intenção de adquirir armas nucleares. Ainda assim, Ahmadinejad falou do lançamento de um míssil iraniano como resposta ao sucesso do Irã com as centrífugas nucleares e foi recentemente permitido ao Hezbollah pensar que os reatores iranianos podem ter objetivos não pacíficos. Isso significa que, entre outras coisas, a manipulação maldosa com a qual os mulás controlam o Irã já não pode mais ser chamada de "política interna". Fascismo em casa significa, mais cedo ou mais tarde, fascismo no exterior. Encare agora ou lute depois. Enquanto isso, dê o nome correto.


Christopher Hitchens é jornalista, escritor e colunista de Vanity Fair e Slate Magazine. É autor do livro "Deus não é Grande: como a religião envenena tudo". Artigo distribuído pelo The New York Times Syndicate.

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