Um pouco de Geopolítica.
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010Índia e Israel, uma parceria confidencial
A cooperação armamentista entre os países é antiga e movimentou, em dez anos, US$ 10 bilhões. De maneira paradoxal, a aproximação com Israel deu à Índia uma alavanca em sua política no Oriente Médio: os Estados da região aprenderam a levar em consideração os interesses indianos
por Isabelle Saint-Mézard
Índia e Israel nasceram com um ano de intervalo, a primeira em 1947 e o segundo em 1948, sobre os escombros do Império Britânico, ao fim de um violento processo de divisão. Apesar de ambos experimentarem, desde o início, conflitos internos complexos, marcados por recorrentes enfrentamentos armados, isso não foi suficiente para criar afinidades entre os dois países. Muito pelo contrário.
A partir dos anos 1920, os chefes do movimento nacionalista indiano uniram-se aos árabes da Palestina contra o imperialismo britânico, opondo-se à vontade sionista de criar um Estado judeu. A Índia votou contra o plano de partilha da Palestina na Assembleia Geral das Nações Unidas, em 29 de novembro de 1947, e só reconheceu Israel em 1950. Até os anos 1980, ela continuou compondo um bloco com os países árabes na defesa do direito dos palestinos a um Estado soberano.
Essa postura, claro, era cheia de segundas intenções. A Índia preocupava-se com um possível alinhamento do mundo muçulmano às reivindicações paquistanesas sobre a Caxemira. Havia também o imperativo da segurança energética: Nova Délhi dependia dos países do Oriente Médio para seu abastecimento de petróleo. Além disso, para atenuar o grave desequilíbrio de sua balança de pagamentos no fim dos anos 1980 e na virada da década de 19901, contava com o dinheiro enviado por seus numerosos cidadãos que trabalhavam nos países do Golfo.
No entanto, com o passar das décadas, o fosso entre Índia e Israel reduziu-se. Desde os anos 1960, os dois países estabeleceram contatos secretos no campo militar e de informação. Israel mostrou-se disposto a ajudar o exército indiano em seus conflitos com a China (em 1962) e depois com o Paquistão (em 1965 e 1971). Em 1978, o então ministro de Defesa do país, Moshe Dayan, chegou a fazer uma visita secreta ao governo indiano para evocar uma eventual cooperação. Finalmente, em 1992, Nova Délhi estabeleceu laços diplomáticos formais com Tel Aviv. Essa decisão foi facilitada por um contexto internacional marcado pelo fim da Guerra Fria e pela conferência de Madrid, em outubro de 1991, sobre o Oriente Médio, que deixava entrever perspectivas de paz. Mas decorria também de uma decepção da Índia diante dos ínfimos resultados de sua política externa: não apenas Nova Délhi não neutralizou a influência do Paquistão junto aos países árabes, mas viu inúmeras vezes a Organização da Conferência Islâmica (OCI) adotar resoluções que condenavam suas posições sobre a Caxemira.
Embora tenha sido o Partido do Congresso, de centro-esquerda, que primeiro estabeleceu relações diplomáticas com Israel, foram os extremistas hindus do Bharatiya Janata Party (BJP) que, no poder entre 1998 e 2004, levaram ao máximo a parceria e deram um novo significado a ela. Desconfiado e até mesmo hostil em relação ao mundo muçulmano, o BJP não teve pudores em declarar abertamente sua simpatia por Tel Aviv. O contexto do pós 11 de setembro reforçou ainda mais esse novo laço, pois o governo de coalizão do BJP começou a promover a ideia de um “front das democracias liberais” face à ameaça do terrorismo islâmico.
Antiterrorismo
Essa visão política desembocou no sonho de um triângulo estratégico entre Israel, Índia e Estados Unidos2, ideia enunciada pela primeira vez no dia 8 de maio de 2003 por Brajesh Mishra, então conselheiro nacional de segurança indiano, no jantar de gala anual do American Jewish Committee (Comitê Judaico Americano): “Nosso tema principal aqui é lembrar coletivamente o horror do terrorismo e celebrar a aliança das sociedades livres engajadas no combate contra essa calamidade. Estados Unidos, Índia e Israel foram os principais alvos do terrorismo. Eles devem enfrentar em conjunto essa mesma monstruosa aparição que é o terrorismo dos tempos modernos3.” Em seguida, ocorreram discussões entre representantes dos três governos, sobretudo a respeito das questões de defesa e antiterrorismo.
Em 2004, o retorno do Partido do Congresso à frente de um governo de coalizão atenuou essa dimensão ideológica. Mas, no fundo, a relação israelo-indiana não foi substancialmente afetada. Pelo contrário, os laços diversificaram-se e nasceram colaborações nos setores da agricultura, turismo, ciências e tecnologias. Embora continuem largamente tributárias da indústria do diamante (quase 50% do volume total das importações e exportações entre os dois países em 2008)4, as trocas comerciais passaram de US$ 200 milhões em 1992 para US$ 4 bilhões em 2008. Mas a defesa permanece o centro da cooperação.
A sobrevivência da indústria armamentícia israelense depende de suas exportações. Até o fim dos anos 1990, elas eram realizadas majoritariamente em direção à China. Mas o veto dos Estados Unidos à transferência de tecnologias sensíveis a Pequim forçou Tel Aviv a voltar-se para outros mercados, entre os quais a Índia. Essa reorientação mostrou-se lucrativa, pois se deu num momento em que o crescimento econômico finalmente permitia que Nova Délhi financiasse suas necessidades (consideráveis) em matéria de defesa. A Índia, por sua vez, procurava novos fornecedores, pois os russos só conseguiam suprir parcialmente o vazio deixado pelo desaparecimento da União Soviética. Por fim, os Estados Unidos também aproximaram-se da Índia, facilitando as transferências de tecnologia. Os radares israelenses Phalcon, desenvolvidos pela indústria de defesa de Israel para a força aérea indiana5, são um bom exemplo disso. Depois de ter proibido a venda à China em 2000, Washington autorizou que ela fosse realizada para a Índia. Nova Délhi tirou dessa experiência uma conclusão clara: a aproximação com Tel Aviv permitiria-lhe o acesso às tecnologias de ponta que os Estados Unidos recusavam-se tanto a exportar.
Assim, em uma década, Tel Aviv conseguiu impor-se entre os principais fornecedores de armamento à Índia, que se tornou seu primeiro mercado de exportação. O volume dos contratos assinados ao longo dos dez últimos anos é estimado em algo próximo a US$ 10 bilhões6. Flexibilidade e reatividade foram os grandes trunfos de Israel. Flexibilidade porque o país teve de se adaptar às particularidades das forças armadas indianas, cujos equipamentos são, em sua maioria, de origem russo-soviética – daí os polpudos contratos para a modernização de tanques, porta-aviões, helicópteros e aviões de combate russo – todos equipados com material eletrônico israelense. Reatividade, com o abastecimento de emergência do exército indiano em munição, durante o enfrentamento com o Paquistão na Caxemira, em 1999, a chamada “crise de Kargil7”.
Cooperação
A cooperação industrial concentrou-se em dois setores de ponta: de um lado, radares de vigilância e drones; de outro, sistemas de mísseis. No que concerne aos primeiros, um contrato no valor de US$ 1,1 bilhão foi fechado em 2004 para a venda de três Phalcon. Já em relação aos mísseis Barak, a cooperação teve início em 2001, com um contrato de US$ 270 milhões para a venda de um sistema de defesa antinavio. Os negócios deram um passo decisivo em janeiro de 2006, quando os dois países decidiram codesenvolver uma nova geração do míssil. Um ano depois, eles anunciaram um projeto de acordo no valor de US$ 2,5 bilhões para o codesenvolvimento de um sistema de combate antiaéreo baseado no Barak, mas dessa vez destinado à força aérea e ao exército em terra.
As imagens de satélite são outro ponto de troca entre as nações. Em janeiro de 2008, a Índia lançou, por conta de Israel, um satélite de espionagem de última geração, capaz de fornecer informações sobre as instalações estratégicas iranianas. E, por sua própria conta, em abril de 2009 lançou outro, adquirido emergencialmente após os atentados de Mumbai, que, em novembro de 2008, fizeram 170 mortos e revelaram graves lacunas em matéria de vigilância do território. O país também comprou radares israelenses, por um valor de US$ 600 milhões, com o objetivo de reforçar seu dispositivo de alerta ao longo da costa ocidental.
Não há dúvida de que Israel está em posição privilegiada para acompanhar a Índia em seu esforço de aperfeiçoamento do dispositivo de segurança do território e, de maneira mais geral, para aprofundar uma cooperação já estreita em matéria de contraterrorismo. Os israelenses ajudaram na construção de uma barreira ao longo da linha de controle com o Paquistão, forneceram diversos sistemas de vigilância para impedir a infiltração de militantes islâmicos. Mas, acima de tudo, os israelenses estão entre os raríssimos intervenientes externos a fazerem-se presentes no teatro de operações da Caxemira.
Hoje Nova Délhi, assim como o conjunto da comunidade internacional, apoia a criação de um Estado palestino independente. Mas, ao longo das sucessivas crises entre Israel e seus vizinhos, sua diplomacia aprendeu a navegar de acordo com a maré. A abordagem indiana consiste em dissociar a relação bilateral dos vaivéns da situação no Oriente Médio – em outras palavras, proteger prioritariamente a cooperação com Israel, evitando voltar as costas aos países árabes. Daí as declarações oficiais cheias de nuances, condenando primeiro uma, depois outra, ponderadamente, tanto a cegueira dos ataques terroristas contra Israel quanto a brutalidade das “represálias”. A diplomacia indiana, aliás, tomou gosto por adotar uma posicão dúbia já que, embora se aproximando de Israel, o país também estabeleceu laços com o Irã no início dos anos 2000. Assim, antes da visita de Ariel Sharon, em setembro de 2003, Nova Délhi recebera, em janeiro do mesmo ano, o presidente Mohammed Khatami. De maneira um pouco paradoxal, a aproximação com Israel deu à Índia uma nova alavanca em sua política no Oriente Médio: os Estados da região aprenderam a considerar melhor os interesses indianos.
As tensões da Índia no Oriente Médio trazem muitas lições. Em um nível diplomático, elas são resultado de uma polarização previsível entre os defensores da postura tradicional, pró-árabe, e os partidários da parceria com Israel. Mas, de modo mais sutil, revelam também uma tensão interior, entre a necessidade de lidar com uma minoria de 160 milhões de indivíduos, que faz da Índia o terceiro Estado muçulmano no mundo, e uma fascinação inconfessa pelos métodos expeditivos de Israel. Métodos que alguns em Délhi estariam bem tentados a experimentar contra as esferas de influência terroristas baseadas no Paquistão.
Isabelle Saint-Mézard
é especialista em questões estratégicas na Ásia Meridional e professora do Instituto de Estudos Políticos de Paris e do Instituto Nacional de Línguas e Civilizações Orientais (Inalco), coautora de Dictionnaire de l’Inde Contemporaine, Armand Collin, outubro 2010.
sábado, 25 de dezembro de 2010
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