quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Os paradoxos palestinos

A duplicidade do Fatah

Escrito por Khaled Abu Toameh | 12 Outubro 2011 | MSM


As mensagens conflitantes provenientes do Fatah lançam sérias dúvidas sobre as verdadeiras intenções da facção. Além disso, essas mensagens criam a impressão de que não há muita diferença entre o Fatah, apoiado pelo Ocidente, e o Hamas.


A duplicidade do Fatah não é um fenômeno novo. Qualquer pessoa que entende árabe e inglês pode notar facilmente as mensagens conflitantes dos líderes e representantes da facção.

A estratégia do Fatah tem sido sempre dizer uma coisa ao mundo exterior e algo completamente diferente aos palestinos.


Talvez a declaração mais perturbadora, no entanto, veio de Abbas Zaki, que é membro-sênior do Comitê Central do Fatah e ex-embaixador da OLP no Líbano. No mesmo dia em que Mahmoud Abbas discursou na ONU (em 23 de setembro), Zaki declarou na Al-Jazeera:

“o objetivo maior não pode ser realizado de uma só vez. Se Israel se retirar de Jerusalém, evacuar os 650.000 colonos e desmontar o muro, o que será do país? Vai acabar. Se dissermos que queremos eliminar Israel, isso não é aceitável. Não diga essas coisas para o mundo. Mantenha-as para si mesmo”.


Assim, enquanto Abbas, o presidente da Autoridade Palestina, estava dizendo ao mundo que os palestinos apóiam a solução de dois Estados, um de seus representantes dizia aos palestinos e ao mundo árabe que o Fatah não desistiu do seu sonho de destruir o Estado judeu.


O exemplo mais recente foi fornecido por Tawfik Tirawi, membro do Comitê Central do Fatah e ex-comandante da Força Geral de Inteligência da Autoridade Nacional Palestina.


Tirawi disse a estudantes universitários que o Fatah nunca “largou o rifle” -- uma indicação de que a facção poderia retomar a opção da “luta armada” contra Israel.


Sua declaração contradiz garantias de outros líderes do Fatah de que eles abandonaram completamente o caminho da violência e buscam uma solução pacífica com Israel.


Tirawi também disse aos estudantes universitários que os palestinos consideram os EUA seu inimigo número um por causa do constante apoio de Washington a Israel.


Novamente, essas observações contradizem declarações do líder do Fatah, Mahmoud Abbas, e de seus assessores, de que os palestinos não querem um confronto com os EUA e procuram continuar cooperando com o governo americano para conseguir a paz no Oriente Médio.


Outros líderes da Fatah, incluindo Nabil Sha'ath, Abbas Zaki e Mohammed Dahlan, também têm afirmado que seu movimento nunca reconheceu o direito de existência de Israel. Eles argumentam que foi a OLP, e não o Fatah, que aceitou a solução de dois Estados, quando assinou os Acordos de Oslo em 1993.


Esses funcionários estão ignorando o fato de que o Fatah é a maior facção da OLP. Declarações de alguns altos líderes do Fatah sugerem que a facção palestina continua a falar em mais de uma voz.


Os líderes do Fatah ainda não se distanciaram das declarações de Tirawi, Sha'ath e Zaki.
Deixar de fazê-lo não só prejudica a credibilidade da facção, mas também põe em dúvida sua confiabilidade como verdadeira parceira para a paz.

Khaled Abu Toameh, um muçulmano árabe, é jornalista veterano, vencedor de prêmios, que vem dando cobertura jornalística aos problemas palestinos por aproximadamente três décadas. Estudou na Universidade Hebraica e começou sua carreira como repórter trabalhando para um jornal afiliado à Organização Para a Libertação da Palestina (OLP), em Jerusalém. Toameh trabalha atualmente para a mídia internacional, servindo como “olhos e ouvidos” de jornalistas estrangeiros na Margem Ocidental e na Faixa de Gaza.

Os artigos de Abu Toameh têm aparecido em inúmeros jornais em todo o mundo, inclusive no Wall Street Journal, no US News & World Report e no Sunday Times de Londres. Desde 2002, tem escrito sobre os problemas palestinos para o jornal Jerusalem Post. Toameh também é produtor e consultor da NBC News desde 1989.

domingo, 2 de outubro de 2011

Mitos e realidades dos grandes eventos

O que Copa e Olimpíadas fazem pelas cidades?
Por RENATA NEDER, da ONG Action Aid

“Bilhões de dólares foram gastos em estádios e outras obras, mas nós permanecemos em barracos sem energia. Eles pediram para a gente “sentir a Copa” [expressão usada no slogan oficial do evento], mas nós não sentimos nada além da dor da pobreza piorada pela dor da repressão. O dinheiro que deveria ser gasto urbanizando as comunidades mais pobres foi desperdiçado. A Copa do Mundo vai terminar no domingo e nós ainda seremos pobres.”

Essa foi a fala de um jovem de Johannesburgo durante a Copa do Mundo de 2010. Reflete o sentimento de muitos sul-africanos em relação ao evento.

Eu estive na África do Sul alguns meses antes do início da Copa. Encontrei um país em obras e muita gente reclamando. Mas, quando os jogos começam, os problemas costumam ser esquecidos. Passada a euforia do momento, começam as discussões sobre os impactos do evento, o uso dos recursos, quem se beneficiou realmente… e por aí vai.

Essa discussão não termina, porque acaba emendando nas discussões daqueles que já estão preocupados com o futuro das suas cidades que serão sede das próximas Copas e Olimpíadas. Já existem muitas informações disponíveis e que merecem atenção.

Em 2010, as Nações Unidas lançaram um relatório sobre o impacto das Olimpíadas nas cidades-sede. Os números são chocantes. Seul (1988): 15% da população foi desalojada, 48 mil edifícios foram destruídos. Pequim (2008): Um milhão e meio de pessoas foram removidas. Atlanta (1996): 15 mil pessoas removidas. E essas remoções e despejos, na maior parte das vezes, foram feitos de forma violenta e desrespeitando direitos básicos da população.

Além do impacto direto das obras e de como elas são feitas, também há o ponto importante de quem realmente se beneficia com a realização destes eventos. Na África do Sul, por exemplo, muitos homens e mulheres artesãos, comerciantes, vendedores, trabalhadores, etc, acreditaram que poderiam se beneficiar e aumentar um pouco sua renda durante os jogos. Mas não foi assim. Os pequenos comerciantes e artesãos não tiveram acesso aos estádios e arredores. Um perímetro de exclusividade foi criado ao redor dos estádios. Ali, apenas as grandes redes e marcas poderiam comercializar seus produtos. Resultado: quem lucrou foram as grandes empresas, não os sul africanos.

E falando em estádio… hoje, apenas um ano depois da Copa, já se discute na África do Sul a demolição de alguns dos estádios construídos. O custo da manutenção é alto demais, não justifica manter o “elefante branco” em pé.

E o que falar dos gastos? A Copa da África do Sul acabou custando 17 vezes mais do que o previsto inicialmente. Cidades que foram sede de mega eventos se endividaram além de suas capacidades e passaram muitos anos pagando a conta. È o caso de Atenas (2004) e Montreal (1976) que sediaram os Jogos Olímpicos.

Quanto mais investigamos, mais vemos cenários desanimadores. Mas, como disse o cientista político Antonio Gramsci, não devemos ficar apenas no pessimismo da razão. Devemos ter o otimismo da vontade.

O otimismo da minha vontade diz que é possível trilhar outros caminhos em que a realização de megaeventos esportivos promova inclusão social, gere renda e diminua desigualdades. Mas o caminho que leva a esse legado é o caminho da participação popular, da transparência, do controle social sobre as políticas e uso de recursos públicos.

O Brasil e o Rio de Janeiro podem aprender muito com outras experiências e escolher um caminho melhor para a realização da Copa do Mundo em 2014 e das Olimpíadas em 2016.

Extraído do sítio da revista “Época”. Leia aqui.